Transfiguração: em busca da profundidade perdida

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Não é de hoje que estamos assistindo um crescente processo de exteriorização do ser humano, isto é, tudo voltado para fora, para a superfície, para o aparente, para o que pode ser visto, admirado, tocado, consumido…

O ser humano, entretanto, não é, por natureza, da exterioridade e, sim, da interioridade, do profundo, da essência, do ser. Sua casa natural é o seu interior, é ali que ele intui, forma e constrói seus sonhos, seus projetos, os laços interpessoais, a aspiração ao transcendente e o desejo do céu. É a partir de dentro, do seu interior que o ser humano se desabrocha e vive a grande aventura da convivência, do trabalho, da comunicação, da família, da religião, da cultura, da polis e da sociedade.

A vivência da fé mantém e amplia o lastro interior, tão necessário, como princípio da autenticidade, da verdade e da maturidade de todo ser humano.

Ora, o mundo capitalista não precisa e, nem tão pouco, suporta pessoas naturalmente interiorizadas. Por que? Porque a lógica macabra do capitalismo que, engendra noções, doutrinas, práticas e ideologia do lucro, do individualismo, da competição, do acúmulo, do poder, do bem estar, do status, da fama, do prazer, da felicidade, da satisfação… precisa e se alimenta de condições favoráveis e de consumidores vorazes. Acontece que, se tais consumidores não existem é preciso fabricá-los. Como? Criando necessidades, para além de comer, beber, vestir e morar e, consumidores, para além do que se ganha.

O que diz a História? A revolução francesa criou o ideal de liberdade (tendo em mira o liberalismo) e a revolução industrial inventou a produção em larga escala (tendo em mira o consumismo). O modo de produção capitalista precisava de um arcabouço de sustentação social, política, cultural e econômica para os seus feitos. E não demorou muito para expandir seus ideais com práticas bem pensadas e assertivas. O escravismo e toda política escravagista, presente em muitas nações, era um dos grandes obstáculos para o progresso capitalista, então, uma das primeiras bandeiras capitalistas foi a abolição da escravatura. Tudo dentro da lógica: escravo trabalha mas, não consome. Era preciso alforriar os escravos e dar-lhes o poder de compra e de consumo. Toda ‘generosidade’ capitalista foi, sempre, na verdade, estratégia de sustentação, desenvolvimento, crescimento e manutenção. Para encurtar a conversa, a criação do dinheiro; a invenção dos bancos e a concessão de crédito; o processo de urbanização; o desenvolvimento do comércio; etc… etc… sempre foram pretensões do projeto capitalista.

Onde chegamos com toda essa história? Chegamos no auge do capitalismo que, faz festa com seu projeto exitoso: o sequestro do indivíduo para fora de si mesmo. Sem perceber, cada um de nós fomos seduzidos, atraídos e levados, para o ‘mundo maravilhoso’ da fantasia e dos sonhos que, oferece prazer, alegria, felicidade ao alcance da mão e do bolso; tudo acessível, fácil, rápido, mágico. O preço de tudo isso é a alienação, o entorpecimento e a alucinação. Pronto, estamos fora de nós mesmos e fora de nossa casa; vivemos uma grande ilusão. Nossa felicidade é imediatista, incontida e insatisfeita; precisamos, sempre, de mais… mais… mais… para cada vez menos satisfação. Ganhamos mais coisas e perdemos o ser.

A grande tragédia deste nosso tempo é que estamos dormindo e pagando para fecharem os nossos olhos e a porta de acesso para a verdade de nós mesmos: nosso interior. Até onde iremos, antes do aniquilamento total e da perda, por completo, dos valores, dos princípios e da via humana?

A cena bíblica da Transfiguração de Jesus (Marcos 9,2-10), aponta caminhos de redenção humana. No fundo, a superficialidade, o consumismo e o individualismo são tão somente tímidas compensações que tentam aliviar o vazio de sentido que nos habita; ao mesmo tempo se apresentam como ‘cantos de sereia’ que nos distraem daquilo que é verdadeiramente importante: viver o que somos. Talvez, a chamada ‘dimensão perdida’ não seja outra coisa que a ‘transfiguração’ de nossa verdadeira identidade. Este é o apelo do Evangelho: viver ‘transfigurados’ a partir de nossa interioridade. Estamos vivendo fora de nós mesmos, daí que nosso mundo interno permaneça na obscuridade. Se nos voltarmos para dentro, se nossa atenção começa a dirigir seu foco para o interior, então tudo se ilumina” (Frei Adroaldo Palaoro).

 

por: Pe. Edivaldo Pereira dos Santos

 

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