Oeiras, 18 de abril de 2014
Dom Juarez Sousa da Silva
Canto Refrão: Ninguém ti ama como eu…
Meus amados irmãos e irmãs, sacerdotes, religiosas, autoridades, povo de Deus.
É muito forte a cena que presenciamos, nesta sexta-feira da paixão. Após termos celebrado, com a toda a Igreja a liturgia da Paixão e Morte do Senhor; após termos sido alimentados com a Eucaristia, que é resultado da paixão e morte de Cristo; após termos adorado a Cristo e venerado a cruz na qual morreu pela nossa salvação. Viemos aqui para a tradicional cerimônia do descimento da cruz.
No ano passado alguém compartilhou comigo que ao sair da Igreja, neste dia, alguém perguntou: o que vocês estavam fazendo aí dentro? A pessoa respondeu: celebrando a paixão e morte do Senhor, recendo a comunhão e adorando Aquele que morreu na cruz para nos salvar. Pergunto, eu agora. E nós. O que estamos fazendo aqui? O que viemos ver? Um espetáculo? Não. Estamos aqui para aprofundar sentido deste mistério da nossa fé. Estamos aqui para aprender a lição de humildade que Jesus nos dá, na cruz.
São Paulo diz, na carta ao filipenses, capítulo 2: “Tenham em vocês os mesmos sentimentos que havia em Jesus Cristo: Ele tinha a condição divina, mas não se apegou a sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens. Humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz! (Fl 2,5-8)
O Evangelho de Cristo está centrado na cruz[i]. “Stat crux dum volvitur orbis” (Cruz permanece enquanto o mundo gira) é o lema dos monges cartuxos. O Evangelho que não coloca a cruz no centro, não é o evangelho de Jesus Cristo. “Entre vós não quis saber de outra coisa a não ser de Jesus Cristo, e Jesus Cristo Crucificado” (1 Cor 2,2). A cruz é loucura para os judeus, escândalo para os pagãos, mas salvação para os que creem (1Cor 1, 17-31).
1. A cruz é sinal de salvação: o apóstolo Paulo afirma com toda a radicalidade que há somente um meio de libertação: a cruz de Cristo. Opõe-se a todos os que buscam apoio nas suas tradições religiosas, em ritos, manifestações de poder. Por exemplo, anunciar a cruz de Cristo é excluir a necessidade da lei dos judeus ou da circuncisão.
2. A cruz é esvaziamento. O caminho seguido por Jesus, foi de renúncia a todos os privilégios e a todos os poderes que lhe davam superioridade. Renunciou aos direitos de Deus (onisciência, onipresença, onipotência) e também aos diretos de um homem livre. A cruz é esvaziamento de todo o poder. Significa assumir a condição de escravo condenado injustamente e expulso do seu povo para morrer como um reprovado, visivelmente rejeitado. O esvaziamento se manifesta na perseguição, na prisão, no opróbrio da morte crucificada, que é a morte de um excomungado-herege.
Em toda a sua vida, Jesus não fez outra coisa se não rebaixar-se. “Escolheu de tal modo o último lugar que ninguém lhe poderá tirar” (Charles de Foucuald). Jesus não se contentou em descer o primeiro degrau, sendo Deus e aparecendo como homem. Desceu o segundo degrau, tomando a forma de homem escravo, humilhado pela perseguição injusta. Não foi escravo de nascença, nem de conquista, mas escravo voluntário: vida de serviço voluntário aos homens, sem seque ter sido reconhecido. O terceiro degrau acentua e explicita ainda mais o segundo. Sendo servo tornou-se obediente. Esvaziar-se é humilhar-se. Aqui, porém, a condição de escravo vai até a morte e morte de cruz. Esta morte sublinha a ausência total de poder do escravo, pois a morte na cruz é uma morte maldita, escândalo para os judeus, loucura para os pagãos! Dom Valfredo Tepe diz que Jesus veio entre nós para fazer pós-graduação em pequenez (manjedoura, cruz e Eucaristia). Redenção é dom: pobre como o presépio, eficaz como a cruz e vivificador como a Eucaristia.
3. A cruz significa o serviço a todos. Jesus escolheu a condição de escravo, isto é, homem obediente que serve aos outros; escravo voluntário pelo bem dos outros. A cruz é o evangelho de Jesus porque ele mesmo seguiu o caminho da cruz: abandonou qualquer apoio, qualquer poder e até qualquer dignidade humana. Aceitou a perseguição, a morte, a rejeição total, e até do aparente abandono de Deus. Dedicou ao serviço dos irmãos todas as suas forças, fez-se obediente e nada quis para si. Por isso Jesus é o missionário autêntico. Parecido com ele deverá ser todo o missionário verdadeiro. “O discípulo nunca será superior ao Mestre. Mas o discípulo autêntico será parecido com o Mestre” (Lc 6,40).
“Por isso Deus o exaltou”. Depois da descida vem a subida. Depois da humilhação vem a exaltação. A cruz foi a última palavra na vida terrena de Jesus, mas não foi a última palavra de Deus sobre ele. O caminho de Jesus tem dois movimentos: o sujeito do primeiro movimento, o de descida, é Ele mesmo, o próprio Jesus; O sujeito do segundo movimento, o de subida é Deus Pai que restitui tudo ao Filho. Baixando-se, foi elevado; fazendo-se homem e escravo, recebeu o nome novo: Senhor; humilhando-se, foi exaltado; obediente até a morte na cruz, é ressuscitado e diante d’Ele todo joelho se dobre no céu, na terra e no inferno; reduzido a nada, recebeu tudo.
Que lições devemos aprender do Mestre, na cruz?
– “Tende em vós os mesmos sentimentos que havia em Cristo” (2,4). Em nossa vida somos convidados a seguir o mesmo caminho de Jesus, a mesma prática de despojamento: esvaziamento de si, ser servo voluntário que se coloca livre e generosamente a serviço de todos.
– Gratidão, devemos ter muita gratidão por Jesus. “Se não fosse Jesus o que seria de nós”. “Devemos nos aproximar da cruz e diante dela ficar de joelhos, em oração e lágrimas. Cheios de gratidão” (Papa Francisco – Homilia na Casa Santa Marta 19.09.2013)
– Não há caminho de subida, não há caminho para o Reino de Deus que não seja passando pela cruz. “Se o grão de trigo caído na terra não morrer, não produzirá fruto” (Jo 12,24).
– “Todo e qualquer triunfalismo pessoal, eclesial, pastoral é anti-evangélico. A indiferença da fé, a auto suficiência, concorrência, carreirismo, autoritarismo estão na contramão do evangelho.
– O seguimento de Jesus nos leva a mergulhar no abismo do sofrimento e da miséria humana, para através da força do Ressuscitado reerguer homens e mulheres decaídos, excluídos e traficados. Acolher bem em nossa casa, em nossas Igrejas e instituições. Se não os acolhemos, servimos e promovemos, quem poderá fazê-lo?! Quanto maior for a miséria, tanto maior deverá ser a misericórdia. É assim que Deus nos trata. “Tudo o que fizerdes ao menor dos meus irmãos, é a mim que o fazeis” (Mt 25, 40).
– “A Cruz não é um ornamento, é o mistério do Amor de Deus”. Não se percebe o cristianismo sem se perceber esta humilhação profunda do Filho de Deus, fazendo-se servo até a morte de Cruz. Foi esta, a principal mensagem do Papa Francisco na Missa desta terça-feira da Semana Santa.
2. A cruz é lugar mais alto e o púlpito do maior sermão que Cristo fez. Jamais alguém viu um pregador tão autêntico. Jamais alguém viu um pregador tão coerente com as suas palavras. Na cruz Ele nos diz que é possível a gente viver. Na cruz Ele nos diz que é possível a gente praticar tudo o que ele nos ensinou. Na extrema agonia Jesus fala de:
– Perdão: “Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem”. (Lc. 23,34)
– Abertura do Céu: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no paraíso” (Lc 23,43)
– Amor e Proteção: “Mulher, eis ai o teu filho… Eis ai a tua mãe” (João 19, 26, 27)
– Substituição: “Meu Deus, meu Deus porque me abandonaste”. (Mt 27,46) e (Mc 15,34)
– Sede de Redenção: “Tenho sede” (João 19,28)
– Consumação da Redenção: “Tudo está consumado” (João 19,30).
– Entrega confiante ao Pai: “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46)
“Um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança e, imediatamente, saiu sangue e água”. (Jo 19,34). Rezemos, juntos esta oração que santo Inácio de Loyola nos deixou. Era uma oração de sua predileção:
Alma de Cristo, santificai-me.
Corpo de Cristo, salvai-me.
Sangue de Cristo, inebriai-me.
Água do lado de Cristo, lavai-me.
Paixão de Cristo, confortai-me.
Ó bom Jesus, ouvi-me.
Dentro de vossas chagas, escondei-me.
Não permitais que eu me afaste de vós.
Do espírito maligno, defendei-me.
Na hora da minha morte, chamai-me e mandai-me ir para vós
para que, com os vossos santos, vos louve por todos os séculos dos séculos.
Amém.
- 3. (Descida de Jesus da cruz): Foi aí, após seu último suspiro, que apareceram dois homens. Dois amigos sensibilizados. É nas horas difíceis que os amigos verdadeiros entram em ação. Quando todos abandonavam Jesus, José de Arimateia, que conforme o evangelho de Lucas 23, 50-51, “era um homem bom e justo, era membro do Conselho, mas não tinha aprovado a decisão, nem a ação dos outros membros. Ele esperava a vinda do Reino de Deus. José de Arimateia havia pedido a Pilatos o corpo de Jesus. O outro, chamado Nicodemos, era fariseu, príncipe dos judeus. Certa vez procurou o Jesus à noite, às escondidas, e Jesus o preparou para aquilo que deveria acontecer: “Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim deve ser levantado o Filho do Homem, para que todo homem que nele crer tenha a vida eterna” (Jo 3,14-15). Nicodemos estava convencido da divindade de Nosso Senhor.
Os dois aproximam-se do Monte Calvário, com as faixas, os lençóis e perfumes, e pedem permissão a Maria para enterrarem o seu filho.
1. PRIMEIRO RETIRAM A INSCRIÇÃO – INRI – Jesus Nazareno Rei dos Judeus. Escrito em hebraico, latim e grego. Jesus interrogado por Pilatos, se era ele, o rei dos judeus, respondeu: “O meu reino não é deste mundo. (…) eu nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade. Todo aquele que está com a verdade ouve a minha voz. (Jo 18,36). Pilatos, ciente deste diálogo mandou escrever e cravar o letreiro na cruz, contra a vontade dos chefes dos sacerdotes. A inscrição é agora uma profissão de fé incontestável. “Pai, Venha a nós o vosso reino”. O reino de Deus se fará na terra dos homens, quando os homens e mulheres ouvirem e obedecerem a voz de Cristo. Ele é “Caminho, Verdade e Vida”.
- ENXUGAM O ROSTO DE JESUS. Como fizera Verônica, quando Jesus estava sob o peso da cruz. Agora o seu corpo inerte, pesa sob a cruz. Aquele que não era pecador Deus o fez pecado, para salvar os pecados da humanidade. Por sua morte nos salvou. O tráfico humano, tema abordado e refletido pela Campanha da Fraternidade, deste ano, é um grande pecado e tem como um de seus elos a adoção ilegal que é a terceira maior causa de desaparecimento de crianças, no mundo. No Brasil, cerca de 40 mil crianças desaparecem por ano, das quais 6.000 (15%) não são encontradas. Quanto sofrimento quantas lágrimas de mães, pais e irmãos que choram e lamentam a falta de seus bebês. Com a proximidade da copa do mundo que vai atrair para o Brasil uma grande quantidade de estrangeiros, a Secretaria Nacional de Desenvolvimento humano quer acelerar a implantação de programas de capacitação e de alerta para a proteção de crianças e adolescentes, sobretudo nas cidades sede da Copa.
- RETIRAM, DELICADAMENTE A COROA DE ESPINHOS. Puseram uma coroa falsa naquele que era o rei verdadeiro. Era uma cora de espinhos; não um espinho qualquer; era um espinho chamado “espinho africano”, medindo entre 7 e 10 cm, tão rígidos que poderiam até furar o crânio de uma pessoa. Os espinhos pontiagudos torturaram o corpo daquele que assumira a nossa natureza humana, para que, mais próximo de nós nos fizesse sentir a liberdade e a suavidade do amor de Deus. Os espinhos simbolizam as conseqüências do pecado. O tráfico de seres humanos tornou-se um problema de dimensões cada vez maiores, nos últimos anos; chamado, por muitos, a “forma moderna de escravidão”. A escravidão é desumana. Mas como pode ser, que em pleno século 21, a gente tenha que se preocupar com a humanização da humanidade? O tráfico é realizado com diferentes propósitos, e vai desde o tráfico de órgãos até a exploração na indústria do sexo, a forma mais disseminada e denunciada. Estes espinhos doem em pessoas traficadas, seus familiares e na sociedade.
- DESPRENDEM O BRAÇO DIREITO – RETIRAM O CRAVO E DESCEM O BRAÇO. Para ser pregado na cruz, deitaram Jesus naquela cruz. Mas não se esqueça que o deitar de Jesus foi torturante, afinal, estavam suas costas perfuradas e doloridas. Ao ser crucificado, recebeu pregos em suas mãos e pés. Nem todos os condenados eram pregados. Aliás, os pregos eram uma condenação a mais para os criminosos que tinham certo requinte em seus crimes (noutras palavras, pregos eram para bandidões). Jesus recebeu também, além dos açoites, o castigo dos pregos. Cada um desses pregos tinha de 15 a 20 cm, no formato de uma estaca, com uma ‘cabeça’ de 6 cm de diâmetro. A outra extremidade era pontiaguda. As dores dos pregos ainda hoje torturam Jesus, em seus irmãos, traficados e escravizados. No Brasil, uma das modalidades constante do tráfico humano é o trabalho escravo. Um gênero presente sob a espécie do trabalho forçado, da jornada exaustiva e de trabalho degradante, tanto no campo como na cidade. Historicamente, o Piauí é um estado de origem de milhares de trabalhadores que migram de forma forçada em busca de emprego em terras distantes, com um sonho comum; o de sempre regressarem com uma vida melhor no bolso. A maioria desses trabalhadores são aliciados, com falsas promessas, e são sem terra, sem condições de produzir, desempregados que não tiveram acesso a educação.
- DESPRENDEM O BRAÇO ESQUERDO – RETIRAM O CRAVO E DESCEM O BRAÇO. Para o segundo prego ser pregado no seu outro braço, Jesus teve que ser “esticado” pelos soldados para o prego entrar na marcação que estava na cruz, já que a cruz era para Barrabás e não para Jesus. Sendo Barrabás era mais alto que Jesus, e tendo os braços mais compridos, Jesus foi esticado que teve este ombro deslocado e foram rompidos os ligamentos e tendões. O tráfico de órgãos é para a venda de órgãos. No Brasil essa prática é ilegal, mas os meios de comunicação vêm noticiando e denunciando essas prática. Um Maio do ano passado uma mulher de 29 anos, detida, em Cuiabá, por suspeita de seqüestrar um bebê, confessou que o menino seria morto, e seus órgão vendidos pra uma família no exterior.
- 6. DESPRENDE OS PÉS. Na luta por um pouco de ar, Jesus era obrigado a apoiar-se no prego colocado em seus pés que eram maiores ainda que o de suas mãos, porque pregaram os seus dois pés juntos. E como seus pés não aguentariam por muito tempo sem rasgarem-se também, Jesus era obrigado a alternar esse ciclo simplesmente para poder respirar, sem encostar suas feridas das costas na cruz, para sofrer uma dor a menos.
Desceram o corpo de Jesus da Cruz. Desçamos a imagem da cruz, em silêncio. Desçamo-la com cuidado para que a nossa aspereza, nossa falta de fé e de sensibilidade não fira ainda mais o corpo de nosso Senhor, já tão ultrajado pelos açoites e pelos nossos pecados. Vamos colocá-la no esquife para sair em procissão. Em silêncio vamos pensando: como tenho correspondido a tão grande amor? como posso corresponder ainda mais? Vamos caminhado com fé e esperança.
Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo!