Calamidade Pública – As tragédias da Transnordestina em São Francisco de Assis do Piauí

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Por Pe. Geraldo Gereon, São Francisco de Assis do Piauí – 12 de outubro de 2014

 O dicionário “Aurélio” define a “Calamidade” como “desgraça pública”, enquanto o termo “tragédia” significa “ocorrência funesta (desastrosa)”. Aqui não queremos apenas continuar as nossas reflexões sobre São Francisco de Assis do Piauí e suas calamidades acrescentando mais uma às duas anteriores. Queremos falar do que está acontecendo no nosso município e nos municípios vizinhos de Bela Vista do Piauí e Simplício Mendes, que também pertencem à área da nossa atuação.

             Trata-se do projeto da Ferrovia Transnordestina. São 1.723 km de uma ferrovia totalmente nova. Ela começa nos cerrados do sul do Piauí com sua gigantesca produção agrícola que precisa ser escoada rumo a dois portos marítimos: Fortaleza e Recife. A previsão é de dois comboios de 104 vagões por dia, que levam 12.500 toneladas de grãos cada até o ponto de embarque nos navios. De Eliseu Martins no Piauí até Fortaleza são 1.650 km, e até Recife são 1.500 km.

             Cabe aqui uma observação. De Eliseu Martins até Luis Correia, o pequeno porto no litoral piauiense, seriam 850 km, passando perto de Teresina. O Brasil, que faz um porto moderno para os cubanos, não faria também um porto adequado no Piauí? A produção do Piauí viajava pelo Piauí e embarcava no Piauí. Tanto a construção como a manutenção e o custo da viagem ficariam pela metade. E o Piauí sairia do seu atraso. Mais uma chance virou sonho e utopia.

             Voltamos para a realidade. A tragédia que aqui apontamos refere-se às “vítimas” da Transnordestina, que são os pequenos proprietários desapropriados e mal indenizados. Além de perder terras cultivadas e, em alguns casos, também suas casas recebem indenizações irrisórias. Nos três municípios da nossa área são em torno de 120 famílias. Cerca de 80 %  delas esperam uma sentença judicial. A avaliação foi errada ou incompleta e exige correção. As comarcas da região não têm os titulares estabelecidos. Os substitutos aparecem esporadicamente e não conseguem concluir os processos. Os serviços topográficos não são exatos, quando p.ex. o traço da faixa foi mudado e agora atinge uma casa. O maquinário pesado das empresas terceirizadas não quer parar por questões judiciais que não da sua responsabilidade – o rolo compressor avança para derrubar.

             Vamos esclarecer um detalhe com números. A faixa da ferrovia atravessa o município de São Francisco de Assis numa extensão de ca. de 40 km, com largura de ca. de 80 m. Isso dá um total de 320 hectares. O valor das indenizações estipuladas para todos os atingidos é de R$ 36.110,36, ou seja, R$ 112,84 por hectare. O valor previsto mais alto é de R$ 7.099,31, o valor mais baixo é de R$ 8,42 (sic). 65.7% dos atingidos recebem menos de R$ 1.000,00. Sempre se alega que a lei é essa, e nada foi feito fora do que a lei manda. Pelo que se percebe, essa lei é injusta. Lembramos aqui a palavra: “Nós temos uma lei, e segundo esta lei ele deve morrer” (Jo 19,7 – os chefes do povo referem-se a Jesus) Os construtores da ferrovia trabalham com máquinas, não com coração e sem compaixão.

             Acrescentamos agora três exemplos que justificam o termo “tragédia”.

 1 – O Senhor Silvino tem uma casa e uma roça de 2 há na terra do seu sogro. A faixa da ferrovia passa no meio da sua roça, deixando a menor parte no lado de lá. A faixa está sendo cercada eliminando a rodagem ao lado da roça. Sr. Silvino está doente da coluna e dos rins, e sofre de pressão alta. Ele olha da porta da sua casa pra o resto da roça no outro lado e não sabe como chegar lá, nem sabe como fazer uma nova roça no lado de cá.

 2 – O Senhor José de Vital perde parte de duas roças. Após a primeira avaliação foi feita uma correção na faixa. Ela agora passa por cima da sua casa que não é incluída na indenização. Sr. José está sem dormir, deprimido, procurando um pé de arvore para agasalhar a família debaixo dela.

3 – Na localidade “Povoação” tem 6 proprietários com suas terras ligadas uma na outra. Todos eles abastecem os seus pequenos rebanhos num açude no outro lado da ferrovia que corta as suas terras. As indenizações não consideram este fato, porque a lei baseia-se em hectares atingidos – e lei é lei. Sem acesso para o açude, esses pequenos criadores não poderão manter os seus animais.

             A Fraternidade de São Francisco de Assis, profundamente sensibilizada pelo conjunto dessas tragédias, organizou as seguintes medidas emergenciais: Contratamos um advogado pra tratar dos casos pendentes na justiça numa ação coletiva. Para criar novos roçados antes do novo inverno organizamos mutirões sustentando-os com ajuda para alimentação. Compramos 415 bolas de arame com grampos para as novas cercas e diversos materiais de construção. Até agora gastamos R$106.000,00, provenientes de doações de pessoas com o coração compassivo e generoso. Dentro em breve entraremos no município de Simplício Mendes com a mesma programação.

TRANSNOR
Sr. Silvino na faixa da ferrovia que eliminou dois terços de sua roça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O resto da roça de Sr. Silvino separada  sem acesso pela faixa da ferrovia á esquerda. A sua casa encontra-se no outro lado, distante da ferrovia apenas 15m.

O resto da roça de Sr. Silvino separada sem acesso pela faixa da ferrovia á esquerda. A sua casa encontra-se no outro lado, distante da ferrovia apenas 15m.

 

 

TRANS 2

A casa de Sr. José Vital a ser eliminada pela cerca da ferrovia. Além das duas roças perde a sua morada que não recebe indenização nenhuma.

 

 

TRANS 3

Mutirão para fazer uma nova roça fora da faixa da ferrovia para ter onde plantar quando, dentro de poucas semanas, as primeiras chuvas chegarão

 

 

TRANS 4

Uma nova cerca para uma nova roça feita em mutirão

 

 

TRANS 5

Construção em mutirão de uma nova casa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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