Leia na integra o sermão do Descimento da Cruz

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O nosso olhar se dirige a Jesus!

O nosso olhar se mantém no Senhor!

 “Ele cresceu como broto na presença de Javé, como raiz em terra seca. Ele não tinha aparência nem beleza para atrair o nosso olhar, nem simpatia para que pudéssemos apreciá-lo. Todavia, eram as nossas doenças que ele carregava, eram as nossas dores que ele levava em suas costas. E nós achávamos que ele era um homem castigado, um homem ferido por Deus e humilhado” (Isaías 53,2.4).

 Meus irmãos e minhas irmãs, reunidos pela fé, nos encontramos diante do Cristo: o servo humilde e sofredor, para a cerimônia do descimento da cruz.

 Este dia nos aproxima, ainda mais, do Mistério de Deus! Vemos um Deus apaixonado: sangue do nosso sangue, carne da nossa carne, osso dos nossos ossos; capaz de coisas extremas com os gestos e atitudes mais inesperadas, cheias de surpresas.

Quem poderia imaginar um Deus falando com o seu povo?

Quem poderia esperar um Deus encarnado… gente como a gente… humano?

Quem poderia supor um Deus que assume as nossas dores e se deixa crucificar?

 Paremos diante da Cruz com o Crucificado! Paremos!

Pare o bebê de colo; pare a criança; pare o adolescente; pare o jovem; pare o adulto, pare o ancião… pare, também, toda a natureza: a fauna e a flora. Tudo o que vive e respira, pare; escutemos a voz do silêncio.

Silêncio!

Paremos todos nós. Paremos!

Mas, por que devemos parar?

Porque o silêncio da cruz dá voz àquele que é o verbo de Deus, que é a Palavra do Pai, que é a Boa nova, que é o Evangelho da Alegria e que, portanto, nunca cessou de se comunicar conosco. Ele não está mudo! Ele continua nos falando, na cruz, sem precisar de palavras.

Silêncio!

Paremos todos nós! Paremos!

Olhemos para a cruz.

Duas hastes que se cruzam.

Uma vertical, ligando o céu e a terra.

Uma horizontal, estreitando o laços entre um extremo e outro.

Duas hastes que, na verdade, são dois riscos (perigos) vividos por Jesus: tornar-se homem e fazer-se próximo e irmão.

 a)    O risco de tornar-se homem (Ele é tratado como um blasfemador)

Imaginem só a sociedade, no tempo de Jesus, como estava montada. O poder econômico vivia de braços dados com o poder religioso e, quase se confundiam. Eram muitos os instrumentos de controle e intimidação: o recenseamento (razão pela qual Jesus nasceu em Belém), os impostos… até Deus é mais um instrumento de controle, de poder e justificativa da opressão. Mas, Jesus mostra um outro rosto de Deus. Deus é Pai. Não só o Pai de Jesus, mas, o seu Pai, o meu Pai, o Pai de todos, o Pai nosso… Por isso é tratado como um blasfemador. Perigoso para a religião e para o poder.

 b)    O risco de tornar-se próximo e irmão (Ele é tratado como um transgressor da lei).

A Lei de Moisés que serviu ao povo de Deus como bússola para a Terra Prometida servia, agora, à separação de classes, ao moralismo e ao ritualismo religioso. A vida tinha deixado de circular através da lei. A lei era como Talha vazia, sem água. Jesus passou a ser um transgressor da lei e a ser mal visto. Por exemplo, por causa da lei do puro e do impuro, não era legal se aproximar dos doentes, crianças, dos pecadores… e Ele tocou a todos; por dentro e por fora. Leis… leis… leis… Eram, ao todo, 613 leis-mandamentos: 365 mandamentos negativos, correspondendo ao número de dias no ano solar e, 248 mandamentos positivos, relacionado ao número de ossos ou órgãos do corpo humano. E, apesar disso. E Jesus questionava a todos porquanto se distanciavam da Lei Maior, do amor.

 É necessário olhar para a cruz; contemplar. Não despreguemos, dela, o olhar para bem compreendermos o Mistério de Cristo, morto e ressuscitado e, para conferirmos um sentido de vida e de salvação à nossa própria cruz.

 “A linguagem da cruz é loucura para aqueles que se perdem. Mas, para aqueles que se salvam, para nós, é poder de Deus. A loucura de Deus é mais sábia do que os homens e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens.” (1Cor 1,18.25)

Essa loucura de Deus não é insanidade.

O amor de Deus não é doido…

O amor de Deus não é cego.

O amor de Deus é louco. Sim, louco! Capaz de extremos, capaz de entregas, capaz de cruz. A cruz é, na verdade, uma loucura de amor!

 Por isso, Paulo confessa:

“Entre vocês, eu não quis saber outra coisa a não ser Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado. Estive no meio de vocês cheio de fraqueza, receio e tremor; minha palavra e minha pregação não tinham brilho nem artifícios para seduzir os ouvintes, mas a demonstração residia no poder do Espírito, para que vocês acreditassem, não por causa da sabedoria dos homens, mas por causa do poder de Deus” (1 Cor 2,2-5)

 Antes de acontecer a cruz na vida de Jesus, Ele viveu como um crucificado.

Ele não era carta marcada; a cruz não era um jogo de Deus; Ele não estava destinado a morrer, a cruz não era prêmio ou castigo. A cruz era consequência das suas escolhas e decisões, do seu amor irrestrito e total.

Todo aquele que ama constrói uma história de sacrifícios, de entregas, de ofertas, de cruz. Todo aquele que ama não é mais refém do medo; é livre. Não tem medo de viver! Não tem medo de morrer!

Quem não tem medo de viver alegra-se, convive, doa-se, compartilha, espera, confia, sonha…

Quem não tem medo de morrer, não tem medo de sofrer; não tem medo de lutar.

A experiência religiosa da cruz consiste na passagem do medo para o amor e, pode ser simbolizada na passagem da condição de escravo e de assalariado para a condição de filho. O escravo age por medo e o assalariado por interesse pessoal. Mas o filho age por amor. Essa é a páscoa de Cristo

 “Devemos colaborar para esta passagem do medo para o amor, mas não podemos realizá-la pelas nossas próprias forças. Semelhante ao milagre, em Caná da Galiléia, ‘quando os potes estejam cheios de água!’ O Senhor deu a ordem para encher os potes, mas, a ação de transformar a água em vinho não é nossa. É o Senhor mesmo quem o faz.”

Por causa da consciência de saber-se e sentir-se amado, a pessoa humana não tem medo de amar ao extremo da cruz, como Jesus.

 Jesus passou toda a sua vida descendo, para alcançar a todos e, principalmente, os últimos. Ele mesmo se fez o último e ocupou o último lugar. Lugar, aliás, que ninguém lhe quis tomar.

Do nascimento até a morte ele só fez descer! E assumiu os riscos desta descida… assumiu os riscos da encarnação.

 São Paulo, escrevendo aos Filipenses (2,1-11), faz uma belíssima catequese sobre a Vida Nova, baseada na “vida em descida” do Cristo.

“Portanto, se há um conforto em Cristo, uma consolação no amor, se existe uma comunhão de espírito, se existe ternura e compaixão, completem a minha alegria: tenham uma só aspiração, um só amor, uma só alma e um só pensamento. Não façam nada por competição e por desejo de receber elogios, mas por humildade, cada um considerando os outros superiores a si mesmo. Que cada um procure, não o próprio interesse, mas o interesse dos outros. Tenham em vocês os mesmos sentimentos que havia em Jesus Cristo: Ele tinha a condição divina, mas não se apegou a sua igualdade com Deus. Pelo contrário, esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo e tornando-se semelhante aos homens. Assim, apresentando-se como simples homem, humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz! Por isso, Deus o exaltou grandemente, e lhe deu o Nome que está acima de qualquer outro nome; para que, ao nome de Jesus, se dobre todo joelho no céu, na terra e sob a terra; e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai.”

 Somos chamados a viver, na própria, carne o mistério pascal: “quando podemos sofrer e amar, podemos muito” (Charles de Foucauld).

 Mas, quanto mais afastados da cruz, tanto mais diminuímos as nossas chances de uma vida completa e feliz, realizada e autêntica. Por isso Paulo insistia em dizer:

 “Uma coisa eu já disse muitas vezes, e agora repito com lágrimas: há muitos que são inimigos da cruz de Cristo. O fim deles é a perdição; o deus deles é o ventre, sua glória está no que é vergonhoso, e seus pensamentos em coisas da terra. A nossa cidadania, porém, está lá no céu, de onde esperamos ansiosamente o Senhor Jesus Cristo como Salvador. Ele vai transformar nosso corpo miserável, tornando-o semelhante ao seu corpo glorioso, graças ao poder que ele possui de submeter a si todas as coisas” (Fl 3,18-21).

 “Quando a gente pode sofrer e amar, a gente pode muito… Isto é verdade, a gente jamais amará suficientemente; mas o bom Deus, que sabe de qual lama Ele nos fez e que nos ama muito mais do que uma mãe ama seu filho, nos falou, Ele que não mente, que não rejeitará aquele que vai a procura d’Ele” (Charles de Foucauld – Carta a Marie de Bondy).

 “Nunca devemos hesitar em pedir os lugares, as posições, cargos aonde o perigo, o sacrifício, a dedicação, são os maiores: a honra, deixemos para quem a deseja, mas, o perigo, o cansaço, sempre peçamos a Ele. Como cristãos, devemos dar o exemplo do sacrifício e da dedicação. Isto é um principio obrigatório ao qual temos de ser fiel a vida inteira, com simplicidade”. (Charles de Foucauld – Carta a Louis Massignon)

 “Quem arrisca-se a entrar nos caminhos de lama da vida… vai salvar-se” (cf. Papa Francisco).

 No decorrer de nossas vidas, percebemos que, quanto mais vivemos a simplicidade, a humildade, o desapego tanto mais vivemos a pobreza, do pobre Jesus… quanto mais carregamos a nossa cruz, unida às cruzes dos pequenos, dos pobres, dos irmãos e irmãs, mais nos aproximamos de Jesus, e mais sofremos também! Mas, atenção: não é um sofrimento qualquer; é  uma vida ressignificada e com sentido, a partir do mistério da cruz de Cristo.

Lembremo-nos do 4º conselho de Jesus: “quem tem vergonha de mim, eu também terei vergonha dele, diante de meu Pai”

 O pensamento da própria morte nos ajuda a relativizar muitas coisas em nossas vidas, e a ser mais humildes. São Paulo nos diz: “tudo considero como perda por causa do Cristo” (Fl 3,7-14) e se identifica cada vez mais com a morte de Jesus.

 “Vivas hoje como se, nesta noite, fosses morrer mártir” (Charles de Foucauld).

“É preciso viver cada dia como se fosse o último e investir nele o melhor de si mesmo; isto já é dar sentido a sua vida” (Charles de Foucauld)

 A cruz não é bonita por si mesma. A cruz nunca foi bonita.

A cruz só é bonita por causa de Jesus: por causa de sua morte e ressurreição.

A cruz é bonita porque dá sentido e esperança à nossa vida e à nossa fé.

 Por isso, de bom grado devemos assumir o desconcertante chamado de Jesus:

 “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome cada dia a sua cruz, e me siga. Pois, quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas, quem perde a sua vida por causa de mim, esse a salvará. De fato, que adianta um homem ganhar o mundo inteiro, se perde e destrói a si mesmo? Se alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras, o Filho do Homem também se envergonhará dele quando vier na sua glória, na glória do Pai e dos santos anjos. Eu garanto a vocês: alguns aqui presentes não morrerão sem ter visto o Reino de Deus.”

 Avança a hora…

A noite já entrou no dia…

É preciso que retirem depressa o corpo de Nosso Senhor da Cruz.

Nós vos adoramos, Senhor Jesus e, vos bendizemos!

Porque pela vossa santa cruz, remistes o mundo!

Jesus, manso e humilde de coração!

Fazei o nosso coração semelhante ao vosso!

 

Por: Pe. Edivaldo Pereira dos Santos

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