Bispos do Nordeste publicam decálogo de recomendações e compromissos pastorais que orientam a atuação da Igreja na região

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De 07 a 10 de agosto, cerca de 80 bispos, dos nove estados do Nordeste, se encontraram em Fortaleza (CE) no Encontro dos Bispos da Região Nordeste. Outras 40 pessoas (entre assessores e religiosos) e também a Presidência da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), composta pelo cardeal Sergio da Rocha (presidente), dom Murilo Krieger (vice-presidente) e dom Leonardo Steiner (secretário-geral) participaram do significativo evento para a região e para o país.

O arcebispo de Brasília (DF) e presidente da CNBB, cardeal Sergio da Rocha, disse que o encontro era uma necessidade para que os bispos da região se encontrassem. “Desde que eu era bispo de Fortaleza eu tinha o desejo de realizar um encontro como este”, disse o cardeal, que foi bispo auxiliar da capital cearense de 2001 a 2007.

Como fruto do encontro, cujo objetivo foi construir linhas comuns de evangelização para o Nordeste, além de fomentar a comunhão entre a CNBB e as dioceses e arquidioceses da região, os bispos publicaram o “Documento de Fortaleza”, no qual oferecem uma síntese de suas preocupações e propostas sistematizadas no encontro. No documento, encontra-se também um decálogo de recomendações e compromissos pastorais para a Igreja presente no Nordeste.

O documento, entre outros pontos, reforça o compromisso com “uma Igreja despojada e samaritana, sensível às novas faces da pobreza e revigorada em sua atuação sociotransformadora”. Os bispos afirmam que o sistema social no Nordeste ainda mantém sinais da velha cultura escravocrata e desigual. O atual acirramento das polarizações, a falta de memória histórica e a disseminação do ódio e da intolerância são pontos que mereceram a preocupação dos bispos, conforme o documento.

Veja, abaixo, a íntegra do “Documento de Fortaleza”:

DOCUMENTO DE FORTALEZA

“Cremos, por isso falamos” (2 Cor. 4, 13)

 I – Nossos propósitos

  1. Nós, bispos da Igreja Católica presente no vasto território do Nordeste brasileiro, convocados e coordenados pela presidência da CNBB, representando Dioceses de cinco Regionais, estivemos reunidos de 07 a 10 de agosto de 2018, no CEU – Condomínio Espiritual Uirapuru, em Fortaleza – CE. Sob o impulso do Espírito Santo, encontramo-nos como Pastores, com o propósito de:
  • celebrar a comunhão que nos une;
  • fazer memória dos testemunhos de santidade suscitados pelo Espírito em nossas Igrejas Particulares;
  • recordar e agradecer a ousadia pastoral daqueles que nos antecederam na árdua e fascinante tarefa da evangelização;
  • contemplar com lucidez e discernimento o mosaico diverso e complexo de nossa realidade;
  • manifestar nossa solidariedade e renovar o nosso compromisso com os pobres e com todos os que sofrem;
  • propor caminhos comuns para a ação evangelizadora em nossas Igrejas, frente aos desafios do tempo presente.

II – Em sintonia com a memória de nossos predecessores

2. Somos herdeiros do protagonismo e do testemunho profético daqueles que nos precederam na missão. Eles, inseridos no contexto sócio-histórico do seu tempo, deixaram-se interpelar pelas provocações da realidade e, iluminados pela fé, como Pastores, buscaram oferecer caminhos para a solução de desafios concretos. São dignos de memória: as reuniões de Campina Grande (1956) e Natal (1959), nas quais os bispos do Nordeste ofereceram uma agenda propositiva para o enfrentamento dos dramas sociais vividos por nossas populações, em vista do desenvolvimento regional, fato que influenciou inclusive sobre a criação da SUDENE;  e o documento  “ Eu ouvi os clamores do meu povo”,de 06 maio de 1973, com o qual Bispos e Superiores Maiores afrontavam e denunciavam os dramas e as falácias do regime de exceção, fazendo-se porta-vozes dos anseios do povo, conclamando-o à esperança ativa e operosa em tempos difíceis.

III. Perscrutando a realidade sociopolítica e seus desafios.

  1. No esteio destas ações pastorais, mais uma vez nos debruçamos sobre o momento no qual estamos vivendo, com o intuito de perscrutá-lo e de colher indicações e estímulos para nossa missão. Constatamos que, durante muito tempo, a imagem da Região Nordeste foi estereotipada pelo drama da miséria causada pelas longas estiagens. No final do século XX e início do século XXI, contudo, em razão do momento positivo vivido pelo país, o povo nordestino foi favorecido por uma significativa melhoria do quadro econômico e social, visível sobretudo:
  • no crescimento do Nordeste acima da média nacional e das outras regiões do país;
  • na atenuação das desigualdades regionais; na redução da migração de nordestinos para o Sudeste do país;
  • no investimento e interiorização do ensino superior;
  • no expressivo crescimento das cidades de médio porte;
  • nas mudanças na matriz energética, com a introdução da energia eólica e solar, mesmo que ainda carregadas de ambiguidades;
  • no projeto de integração das bacias fluviais, conhecido como transposição de águas do Rio São Francisco.
  1. Por outro lado, temos consciência de algumas situações que nos inquietam e nos interpelam:
  • o Nordeste, que atualmente possui 28% da população nacional, participa com apenas 15% da produção econômica, o que ainda revela um notável desequilíbrio;
  • a grande crise econômica com suas consequências; a falência das grandes culturas agrícolas tradicionais;
  • o crescimento da violência como consequência da interiorização do narcotráfico, cujas vítimas são sobretudo os jovens;
  • os altos índices de violência contra a mulher; a mutilação e mortandade de jovens por acidentes de moto;
  • o crescente envelhecimento da população e a precariedade da assistência sanitária;
  • o deficitário sistema de saneamento, sobretudo nas grandes cidades;
  • o problema do aumento crescente do desemprego;
  • os impactos dos grandes projetos de mineração, energia e agronegócio sobre o meio ambiente e as populações tradicionais;
  • a perpetuação do latifúndio e implantação de novas monoculturas;
  • o galopante processo de desertificação em regiões do semiárido.
  1. Enquanto estamos a caminho do próximo pleito eleitoral, não podemos deixar fora de nossas preocupações pastorais os desafios que enfrentamos no campo da política. Sabemos que o conluio entre a classe política e a corrupção não constitui uma novidade em nossa Região Nordeste. Historicamente, a “instituição” do clientelismo e o “voto de cabresto”, atrelados à corrupção endêmica na administração pública, têm deixado um lastro irreparável de consequências danosas na vida e no desenvolvimento de nossas populações, estabelecendo não só uma crise moral, mas também contribuindo para empobrecimento da coletividade. Infelizmente, constatamos que muitos de nossos políticos, dentre eles candidatos à reeleição, figuram entre os envolvidos em escândalos de corrupção que, como “câncer social”, corroem nossos governos, empresas e instituições e não poupam nem mesmo quem deveria gozar de isenção para julgá-los com imparcialidade e retidão.IV – Atentos aos desafios da missão
  2. No campo da ação evangelizadora, somos desafiados a superar modelos que não mais conseguem corresponder às urgências pastorais numa sociedade marcada pela racionalidade e subjetividade. Mesmo reconhecendo como inevitável o avanço do processo de secularização, com o exílio do religioso para esfera privada, não se pode negar a forte tradição de fé como elemento aglutinador de nossas populações. Preocupam-nos a indiferença e o esfriamento do entusiasmo e do compromisso na vivência da fé, que têm como causas principais: a proliferação de novas religiosidades, o estresse da vida moderna, a violência e o impacto da vida urbana.

 

V – Provocados pela atitude de Jesus e animados pelo testemunho dos Santos.

7. Estas realidades nos fazem recordar a atitude pastoral de Jesus quando, no deserto, deparou-se com uma multidão faminta e cansada, como ovelhas sem pastor. Ele não a mandou embora, mas provocou Filipe a buscar alternativas novas e criativas. Nosso povo nordestino também tem fome de pão e de sentido para sua existência, mas é um povo altivo, audaz e fecundo na criatividade. Inspira-se na heroica fidelidade dos nossos Santos Mártires de Cunhaú e Uruaçu; alimenta-se do testemunho de caridade de Padre Ibiapina e de Irmã Dulce dos Pobres; sente-se animado pela esperança de Antônio Conselheiro; é fortalecido pela fé operante de Pe. Cícero; e é impelido pela infatigável profecia de Dom Hélder Câmara e pela audácia missionaria de Fr. Damião de Bozzano. A nossa Igreja caminha construindo comunhão, congregando na unidade todas as suas forças vivas, colocando-as a serviço da evangelização. É uma Igreja que ora muito e trabalha muito. Crê e, por isso, fala. É consciente de que, “quando os problemas se tornam absurdos, os desafios se fazem apaixonantes” (Dom Hélder). Como Bispos do Nordeste, queremos dispor nossas melhores energias para algumas ações prioritárias. Convocamos igualmente os padres, diáconos, consagrados e consagradas, cristãos leigos e leigas a fazerem o mesmo.

VI – Convocados a assumir um caminho de renovação pastoral

8. Movidos pela esperança que não desanima, nós “cremos, por isso falamos” (2 Cor. 4, 13). Como servidores da missão de Cristo Jesus que veio inaugurar o Reino, em resposta aos sinais dos tempos e suas interpelações, em profunda comunhão com o Papa Francisco e seu magistério pontifício, no cinquentenário da Conferência de Medellín, e em sintonia com as indicações de nossa Conferência Episcopal, oferecemos um decálogo de recomendações e compromissos pastorais para a Igreja presente no Nordeste:

  1. Comprometemo-nos com uma Igreja centrada na pessoa de Jesus Cristo, alimentada e sustentada pela Palavra, Eucaristia, Caridade e Oração, e animada pela presença materna da Virgem Maria. Movidos pela paixão por Cristo, empenhamo-nos com a formação integral de discípulos missionários. Assumimos o compromisso de implantação da catequese de orientação catecumenal, que leve o cristão a uma progressiva inserção na comunidade eclesial e consequente amadurecimento da consciência de sua pertença. Cuidamos de quem cuida, oferecendo aos nossos ministros ordenados condições para o exercício fecundo de sua missão.
  2. Comprometemo-nos com uma Igreja missionária que, por meio do anúncio querigmático explícito e do aprofundamento da fé, vive e comunica a alegria do Evangelho. Impulsionada pelo Espírito, em permanente estado de conversão pastoral, ela se coloca em movimento em direção às margens, especialmente às novas fronteiras agrícolas, e às periferias existenciais e geográficas. Devem ser protagonistas deste dinamismo evangelizador os cristãos leigos e leigas, especialmente os jovens. Na missão, levamos em conta a riqueza cultural dos povos tradicionais e o catolicismo popular.
  3. Comprometemo-nos com uma Igreja sinodal, disposta a trilhar caminhos de comunhão, capaz de buscar o discernimento na diversidade de experiências e carismas, prospectada à unidade em todos os níveis, solícita na partilha de seus recursos materiais e humanos, especialmente de ministros ordenados.
  4. Comprometemo-nos com uma Igreja despojada e samaritana, sensível às novas faces da pobreza e revigorada em sua atuação sociotransformadora. Diante da constatação de que o sistema social no Nordeste ainda mantém sinais da velha cultura escravocrata e desigual, fundamentados no inviolável imperativo evangélico e no Ensinamento Social da Igreja, defendemos a salvaguarda e manutenção dos direitos e conquistas sociais. Preocupam-nos, contudo, o acirramento das polarizações, os fundamentalismos, a falta de memória histórica e a disseminação do ódio e da intolerância. Em nossa solicitude pastoral, olhamos com especial sensibilidade para as periferias das grandes cidades, para a região do semiárido e para o drama dos refugiados que batem à nossa porta.
  5. Comprometemo-nos com uma Igreja honesta e transparente na administração de seus recursos materiais. Somos imensamente agradecidos às instituições católicas do exterior pelo solidário apoio financeiro à ação evangelizadora em nossas Igrejas Particulares. Reconhecemos, contudo, que se faz urgente a promoção de formas alternativas e criativas de autossustentação, especialmente através do investimento na Pastoral do Dízimo.
  6. Comprometemo-nos com uma Igreja atenta aos jovens, que reconhece o seu papel e protagonismo. Incentivamos o acolhimento e a implementação do “Projeto Ide” como resposta aos desafios das juventudes. Reconhecemos também a necessidade de uma corajosa Pastoral Vocacional, que leve em conta a pluralidade de estados de vida e ministérios na Igreja.
  7. Comprometemo-nos com uma Igreja consistente em sua identidade e aberta ao diálogoecumênico e interreligioso. Somos cientes de que, somente por essas vias, poderemos enfrentar a fragmentação causada pelo relativismo e pela proliferação de novas religiosidades.
  8. Comprometemo-nos com uma Igreja construtora e promotora da vida e de uma cultura de paz e reconciliação, uma Igreja que defende a sacralidade da vida, desde a sua concepção ao seu natural ocaso e não admite nenhuma forma de violência contra a dignidade humana.
  9. Comprometemo-nos com uma Igreja profética, pronta a valorizar os benefícios e a denunciar as ambiguidades de megaprojetos privados e estatais implantados no Nordeste. Acompanhamos com vigilante inquietação os impactos socioambientais do processo de desertificação da caatinga, dos grandes parques de energia eólica e solar, da construção da Transnordestina, da implantação de novas áreas de monocultura, das mineradoras e do projeto MATOPIBA de desenvolvimento regional estratégico. Preocupa-nos também as responsabilidades, tanto nacional quanto regional, sobre gestão da transposição de águas do Rio São Francisco. Reafirmamos nosso apoio e incentivo à agricultura familiar, especialmente orgânica, ao projeto de construção de cisternas de placa e à formação de lideranças que não se deixem cooptar.
  10. Comprometemo-nos com uma Igreja sacramento do Reino de Deus, presente no mundo, servidora e engajada na promoção do bem comum. Reconhecemos que a política “é a mais alta forma de exercício da caridade” (Paulo VI). Por isso, condenamos todo tipo de corrupção e domínio de elites políticas que se perpetuam no poder, e incentivamos a formação da consciência política e a promoção, entre o laicato católico, de candidatos à vida pública, comprometidos com valores da ética e dispostos a combater a corrupção.

VII. Dispostos a desbravar novas fronteiras

  1. Somos conscientes de sermos “herdeiros de tarefas inacabadas” e que, frente aos tantos dramas do ser humano e da sociedade, há um campo aberto a ser desbravado, fecundado pelo nosso testemunho e pela ação evangelizadora de todos os agentes de pastoral. Toca-nos a missão de oferecer “sinais”, na docilidade do Espírito, sempre criador, e darmos espaço à esperança, mediante gestos corajosos e significativos, impregnados da novidade do Evangelho que nos faz construtores e artífices de um futuro melhor para nossos povos.
  2. Diante de tantos desafios, urge uma profunda renovação espiritual, uma autêntica conversão pastoral e uma corajosa prontidão para sair. Confiamos à Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe e Modelo da Igreja, os passos deste nosso caminho e suplicamos a proteção de São José e a assistência de nossos santos e beatos em nossa aventura evangelizadora.

Fortaleza, 10 de agosto de 2018
Na Festa de São Lourenço, Diácono e Mártir 

 

FONTE: http://cnbb.net.br/

 

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